O abuso de bebidas alcoólicas entre as mulheres brasileiras subiu de 7,8% para 15,2% entre 2006 e 2023. Isso significa que quase o dobro de entrevistadas declarou ao Vigitel (Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico) tomar quatro ou mais doses em uma mesma ocasião. A pesquisa, realizada anualmente pelo Ministério da Saúde, monitora indicadores sanitários da população brasileira.
De acordo com Lucas Benevides, psiquiatra e professor do curso de medicina do Ceub, muitos fatores contribuem para o aumento. “A crescente participação das mulheres no mercado de trabalho e as pressões associadas a essa mudança têm desempenhado um papel significativo. Além disso, mudanças culturais que normalizam o consumo de álcool entre as mulheres e o marketing direcionado também são influências importantes. Questões como depressão, ansiedade e experiências traumáticas, que podem ser mais prevalentes ou manifestadas de maneira diferente em mulheres”, explica.
Entre os homens, percentual teve variação pequena na séria histórica
Na mesma edição, o Vigitel mostrou que não foi identificada variação significativa no abuso de álcool entre os homens. O índice saiu de 25% no início da série histórica para 27,3% no ano passado. A elevação no consumo excessivo das mulheres ajudou a aumentar a média geral de abuso entre os brasileiros. No final de 17 anos, 20,8% das pessoas ouvidas declaram abusar das bebidas do tipo.
“O alcoolismo apresenta diferenças significativas entre os gêneros. As mulheres tendem a desenvolver dependência ao álcool mais rapidamente que os homens, um fenômeno conhecido como ‘telescoping’. Além disso, os efeitos fisiológicos do álcool são geralmente mais severos nas mulheres, devido a diferenças na composição corporal e no metabolismo. As mulheres também podem enfrentar estigmatização social mais intensa em relação ao consumo de álcool, o que pode impactar negativamente a busca por tratamento”, explica o psiquiatra.
Segundo Benevides, trabalhar as especificidades de gênero é um passo fundamental no tratamento das pessoas com dependência. “As abordagens terapêuticas devem ser sensíveis às necessidades específicas das mulheres, que podem incluir experiências de violência doméstica, responsabilidades familiares e diferenças na socialização. Além disso, fatores como histórico de saúde mental, suporte social e cultural, e acesso a recursos de tratamento podem influenciar significativamente a jornada de recuperação.
Adultos mais velhos e mais escolarizados abusam mais da bebida
O Vigitel também revelou um aumento maior no consumo abusivo entre os adultos com idades entre 25 e 34 anos, variando de 21,7% em 2006 a 29,8% em 2023. Aqueles que estudaram por 12 anos ou mais também declaram beber em excesso com maior frequência: 18,1% em 2006 a 24,0% em 2023. Mais recentemente, outra faixa etária, de 45 a 54 anos, registrou um grande salto: 14,7% bebiam cinco ou mais doses em uma mesma ocasião em 2018 contra 21,1% em 2023.
Entre as ferramentas disponíveis para apoiar as pessoas com dependência alcoólica, o psiquiatra cita políticas públicas voltadas para a redução de danos, campanhas de conscientização sobre os riscos do álcool e programas de prevenção nas escolas e comunidades. “Centros de tratamento e reabilitação, linhas de apoio psicológico, e grupos de apoio, como os Alcoólicos Anônimos, desempenham um papel crucial. Além disso, políticas que promovem o equilíbrio entre trabalho e vida pessoal e que fornecem suporte para a saúde mental são essenciais”, reforça.
Benevides lembra que apoio da família e de pessoas próximas é vital na recuperação do alcoolismo. “É importante abordar a questão com empatia e sem julgamento, incentivando a pessoa a buscar ajuda profissional. A participação em grupos de apoio familiar pode fornecer orientação e suporte emocional. Também é essencial estabelecer limites claros e buscar manter um ambiente doméstico seguro e saudável. Oferecer-se para acompanhar a pessoa em consultas e tratamentos pode fortalecer o compromisso com a recuperação”, aconselha.
De acordo com o especialista, é fundamental reconhecer que o alcoolismo é uma doença complexa e multifacetada que requer abordagens integradas de tratamento. O Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das Doenças Não Transmissíveis no Brasil estabelece como meta a redução da prevalência do consumo abusivo de bebidas alcoólicas em 10% até 2030.
Para isso, a média geral do país precisaria passar para, no máximo, 17% ao ano. A ONU (Organização das Nações Unidas) também incluiu uma meta específica sobre o uso nocivo do álcool nos ODS (Objetivos do Desenvolvimento Sustentável): fortalecer a prevenção e o tratamento do abuso de substâncias, incluindo o abuso de drogas narcóticas e o uso nocivo do álcool.
Pesquisa tem confiança de 95% e erro máximo de 4 pontos percentuais
A metodologia utilizada pela pesquisa é a amostragem com entrevistas realizadas por telefones fixos ou celulares. São ouvidos entre 1,5 mil e 2 mil indivíduos em cada um dos estados e no Distrito Federal. O estudo tem nível de confiança de 95% e erro máximo de quatro pontos percentuais. O levantamento auxilia o poder público na tomada de decisão para implementação de políticas de saúde. (R7)
Discussion about this post