Por: Hesdras Souto, Sociólogo, Pesquisador e atual Presidente do Centro de Pesquisa e Documentação do Pajeú (CPDoc-Pajeú)
O atual Código Penal Brasileiro, em vigência no país desde 1940, traz em seu Título X, Dos Crimes Contra A Fé Pública, do artigo 289 a 292, a tipificação dos crimes de Moeda Falsa e seus correlatos.
Esse crime já era previsto no Código Penal do Império do Brasil de 1890, nos artigos 239 a 244, o que mostra que a ocorrência de falsificação de moedas ou cédulas era algo mais comum do que podemos imaginar.
Na primeira metade do século XIX, precisamente entre as décadas de 20 e 30, houve um derrame de moedas falsas na Bahia, o que levou o império a publicar a Lei nº 52 de 3 de outubro de 1833, tornando as penas mais rigorosas. Essas foram dobradas para primeira incidência e transformadas em prisão perpétua na reincidência. Pela supracitada lei, a pena de prisão com trabalhos forçados foi substituída pela pena de galés, perpétua ou não. Em Pernambuco a pena era cumprida na Ilha de Fernando de Noronha.
Aqui abriremos um parêntese para explicar ao leitor o que são as galés. Galés era uma antiga sanção penal, já prevista no artigo 44 do Código Criminal do Império de 1830, que determinava que os réus andassem, juntos ou separados, com uma calceta (tipo de argola de ferro) no pé com uma corrente e esses réus eram empregados nos trabalhos públicos da província onde praticaram os delitos, além de ficarem à total disposição do governo. É importante frisar que esse tipo de pena era bastante utilizado pelo Império Romano, onde era possível alguns prisioneiros serem condenados às galés perpétuas e passarem o resto da vida sob trabalhos forçados.
Mas afinal, onde entra São José do Egito (PE) nessa história toda? Após esse rápido passeio por três códigos penais, vamos nos debruçar sobre um curioso fato que ocorreu na Villa de São José do Egypto (PE), como consta na grafia da época.
O caso se deu no final de dezembro do ano de 1898, quando o agricultor José do Nascimento Paixão, 34 anos, foi até a cidade de Caruaru (PE) negociar um comboio de trezentos couros de gado, como era de costume. Ao chegar em Caruaru (PE) foi negociar com o português José Moreira Pontes, o que lhe rendeu seiscentos e tantos mil reis. No momento do pagamento da dita quantia, o senhor José Paixão viu o português José Pontes retirar de uma gaveta uma cédula de 200$000 (duzentos mil réis). O senhor José Paixão achou a cédula tão elegante que desejou até ter recebido toda a quantia devida em dinheiro d’aquella (grafia da época) espécie.
José Paixão então retornou ao sertão com essa cédula bonita e entregou-a ao senhor Paulino Pereira da Silva, com quem mantinha transações comerciais. A cédula de duzentos mil réis acabou despertando a curiosidade da população local, inclusive a do Juiz de Direito Francisco de Farias Castro. Quando as autoridades foram conferir a famosa cédula constataram que se tratava de uma falsificação, levando o senhor Paulino Silva e seu amigo José Paixão para a delegacia de polícia para serem ouvidos e explicar como e onde conseguiram a cédula falsa de duzentos mil réis.
É importante destacar que até na província da Paraíba várias pessoas já tinham se queixado de terem recebido do dito português essas mesmas cédulas exóticas, por assim dizer, o que leva a crer que o referido comerciante praticava de forma contumaz o crime de distribuir moedas falsas.
Em sede policial, ambos foram ouvidos e constatou-se que os amigos não tinham conhecimento que se tratava de uma falsificação. O delegado de São José do Egito (PE) entrou em contato com o delegado de Caruaru (PE), o Tenente Caetano Soares dos Santos, e esse fez a oitiva do português José Moreira Pontes, para averiguar se ele era o responsável por distribuir cédulas falsificadas. As autoridades de Caruaru (PE) constataram a veracidade das suspeitas e o português foi obrigado a pagar novamente o valor da cédula falsificada ao sertanejo de São José do Egito (PE).
Falsificar uma cédula de dinheiro no final do século XIX era mais um trabalho artístico do que tecnológico. Geralmente os falsificadores era imigrantes europeus especialistas em fotografia e litografia (arte de imprimir sobre papel através de uma prensa), que usavam a expertise de seu ofício para falsificar documentos públicos ou particulares, além de dinheiro.
Para encurtar a história e não torná-la enfadonha, José Francisco Paixão foi inocentando e o português José Moreira Pontes teve que acertar suas contas com a justiça.
Abaixo, o leitor poderá observar a cédula falsificada e parte dos documentos processuais da época. Quem desejar ter acesso ao processo na íntegra, ele encontra-se digitalizado no site do Memorial da Justiça de Pernambuco, na parte de Guia de Fundos, código de referência MD-454/Cx. 1206.
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